quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

É preciso acalmar as águas













Consegue imaginar como era esta terra 500 anos atrás? O mar verde de florestas, campos e savanas que se perdiam aos olhos nus? Toda superfície era coberta por densa camada vegetal, que se espelhava em raízes dentro do solo. Quanta água fazia parte destes seres todos? quanta água constituíam estes corpos? Todo essa imensa massa verde também produzia e sustentava um microclima com alta umidade relativa, retendo assim, outra quantidade enorme de águas na superfície da terra. Ou em outras palavras: quanta água existia no ecossistema? para além dos corpos d'água, dos rios, riachos, reservas subterrâneas, estavam nos indivíduos, na atmosfera florestal e seu microclima, nos solos profundos com suas raízes.


E quando chovia? Mesmo a mais violenta das chuvas tinha suas gotas amparadas e depositadas suavemente na superfície do solo, por batalhões e batalhões de árvores e suas folhas. O solo ainda coberto por folhas e galhos secos formava uma camada protetora que suavizava ainda mais a queda da gota no chão. No solo, ocupado densamente por uma infinidade de raízes, das mais variadas formas, tipos e profundidades, as águas podiam então caminhar lentamente por entre raízes e poros do solo, e assim alimentar o lençol freático, produzindo olhos e olhos d'água, fazendo nascer rios de águas límpidas e cristalinas. Assim, quanta água cabia e caminhava lentamente pelo solo e ocupava os lençóis e nascentes?





Com o desmatamento e avanço das monoculturas perderam-se a floresta e o colchão verde que acolhia as gotas da chuva, assim, as águas atingem o solo com violência, que sem a enorme diversidade de raízes, perde a sus estrutura e assim  não consegue levar a água para as camadas mais profundas, os olhos d'água minguam e as águas correm velozes pela superfície, enchendo rios, erodindo o solo, espalhando barro. 

Com o avanço da degradação dos ecossistemas florestais, diminuem-se as possibilidades da água se agregar aos ciclos vitais, os ciclos biogeoquímicos. Já são menores as quantidades de agua presentes nos seres vivos e no solo. Fora dos ecossistemas locais, então a quantidade de água que circula fica maior, pois já não fazem parte dos seres, do mar verde de árvores, e nem fica retida na umidade relativa, no microclima que a floresta faz, já não caminha pelo solo, adentrando em profundidade e as nascentes diminuem sua vazão. Assim, o volume de água que circula  entre chuva e evaporação aumenta e ganha velocidade, e em suas grandes quantidades provocam estragos por onde passam, carregando dor e sofrimento.

Por isso é urgente reflorestar!!! Recrias os mares de florestas e florestas de alimentos, mudar o paradigma de produção e de se relacionar com a terra. Criar condições para que a água se envolva em seus ciclos naturais de modo lento, seja penetrando no solo ou pela evapotranspiração das florestas, diminuindo assim sua velocidade. Assim, é preciso acalmar as águas, fazer viver seu ciclos mais naturalmente dentro da fisiologia dos ecossistemas. É preciso acolher as gotas de chuvas, com suas folhas curadoras e raízes fortes.

E com nosso re-encanto pela natureza, possamos nos integrar e construir os caminhos para que as águas possam fluir gentilmente por entre a terra, que ofertemos folhas e folhas, que as raízes sejam fortes e profundas, que os frutos e as flores sejam abundantes. Acalmar as águas também significa serenidade aos seres, é limpar da água todo sentimento carregado do sofrimento, da dor e de ressentimentos. É fazer com que as águas possam fluir amorosamente, animando toda vida presente nos seres e no solo.



quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

Agrofloresta é o mutirão da natureza





Agroflorestar agroecologicamente é estar em mutirão até mesmo quando se é o único ser humano presente. Árvores, pássaros, minhocas, fungos, abelhas, lagartas, formigas são sempre os parceiros nesta jornada. O trabalho é trazer de volta as velhas guardiãs das florestas, as árvores anciãs que infinitas vidas alimentam em sua existência, para ocupar seu lugar na terra das florestas ancestrais, um verdadeiro mutirão pela vida. A prática da agrofloresta é um processo intenso de reconexão com a natureza e seus ciclos, a fim de reverberar na frequência da natureza. E mesmo quando somos o único ser humano naquele agroecossistema é um auspicioso servir em mutirão com todos os seres que trabalham para o funcionamento da floresta, dos amigos microscópicos, que transformam os restos orgânicos em terra nova, aos felizes e alados amigos que cantam, semeiam e polinizam.

Existem muitos trabalhos sendo realizados a todo instante numa agrofloresta, numa verdadeira sinfonia de diversos seres, cada qual com seus dons e sabedorias, na agrofloresta agroecológica você nunca fica só. As próprias árvores trabalham para trazer nutrientes à superfície do solo, suas profundas raízes buscam nutrientes e os colocam no chão da floresta quando as árvores derrubam suas folhas, ou mesmo, com o manejo agroflorestal, pela realização da poda. As árvores também cooperam com as amigas aves, que atraídas pelas flores ou frutos, dispersam sementes e pólens por onde voam, nos ajudando a reflorestar outros cantos. Os pássaros ainda comem larvas e insetos que poderiam causar prejuízos às árvores, assim nunca se esqueça de deixar uns frutos para estes companheiros de mutirão.




Os amigos fungos são em grande parte responsáveis pela decomposição do material orgânico e formação de solo, pela liberação dos nutrientes presentes em restos de folhas e galhos, nutriente aquele que a árvore foi buscar lá no solo profundo. Algumas bactérias de solo são capazes de formar parcerias com as raízes de algumas plantas e fixar nitrogênio atmosférico para que a planta possa utilizá-lo. As secreções das bactérias são também importantes aglutinadores de solo, são responsáveis pela formação de grumos, pequenas bolinhas de solo. Todos este processo, de formação de solo orgânico, de formação de grumos, aliados a uma outra enorme quantidade de seres, como minhocas, centopéias, besouros são fundamentais para que se mantenha a estrutura do solo funcional, isto é, permitindo a circulação de ar e águas, realimentando lençóis freáticos e reservatórios subterrâneos. Mas para alimentar esta multidão de seres é necessário que se faça constantemente a cobertura do solo com restos vegetais, de podas e capinas. Quanto mais material orgânico cobrindo o solo, mais diversidade de vida teremos trabalhando. Os solos ricos em matéria orgânica proporcionam a existência de fungos que são também eficazes na absorção de nutrientes pelas raízes das árvores, mas mais do que isso, são capazes de estabelecer conexões metabólicas entre as raízes de árvores distintas.

Nada está isolado, nem só.





Clovis Oliveira - Jardinoterapeuta

@floraacao